domingo, 6 de fevereiro de 2011

O corrupto




É obscura a origem do Homo Espertus Corruptus. Fala-se em variação anômala do Homo Sapiens, na descendência de Caim - os pais, envolvidos com a serpente e a maçã, não lhe teriam transmitido valores e princípios. Outra hipótese é a involução de uma ameba presente no lodo do Rio Tietê, o que justificaria a predileção por mares de lama. Já a origem da palavra, corruptela do latim, é clara: coração rompido.


O Corruptus tem características peculiares. Veste colarinho branco, ama política e lava dinheiro com OMO. Discreto, age por baixo dos panos e defende o sigilo de seu território bancário com unhas, dentes e serra elétrica. Idolatra Judas Iscariotes e leva a sério o lema da prostituta “É dando que se recebe”. Apesar de caçar em bandos e quadrilhas, é individualista e solitário. Do rosto sai serragem, obrigando-o a substituir a loção pós-barba por óleo de peroba. Cresce às custas do voto e omissão da sociedade, mas deliberadamente ignora suas regras. Até recentemente, seus recursos fundiários eram transportados em cuecas e malas. Hoje, prefere cartões corporativos. Alguns, marcados pelo estigma da estrela, tornam-se Corruptus após contato com o poder. A transformação inversa, de Corruptus em Sapiens, ainda não foi observada.

O dialeto da espécie inclui termos como armação, negociata, propina e caixa dois. Seu habitat é funcional: multiplica-se onde há condições favoráveis. Prefere climas tropicais de grandes amplitudes sociais. Camufla-se na folhagem eleitoral. Tem o RNA mutante dos vírus, o que impossibilita a criação de uma vacina preventiva. Mamífero, suga as tetas do Homo Sapiens, em parasitismo incansável. Aprecia laranjas e defende o PT - Pizza para Todos. No Brasil, concentram-se no planalto central, mas podem ser vistos em todas as regiões. Ocupam o topo da cadeia alimentar, desde que dois de seus predadores – Punição e Transparência – entraram em extinção. O crescimento só é refreado pelo canibalismo típico da espécie, Imprensa e Polícia Federal. Para se safar dos dois últimos, associam-se, em simbiose, a Advocatus Bempagus. Apesar dos grampos, a PF não consegue rastrear a fauna escondida no mar de lama. Ali nadam de braçadas polvos-dumbo (orelhas e pés enormes captam propostas indecentes e arrombam portas do erário); lula-sapo; tubarões vorazes e escorregadias enguias. Desovam em ilhas fiscais paradisíacas.

Híbridos, possuem abraço de tamanduá, lágrimas de crocodilo, olhos de lince, lábia de vendedor e memória de peixinho dourado. Dissimulados, esquecem, negam, mentem, inventam. Populistas, são benquistos pelo Sapiens pouco informado. Com extrema elasticidade ética, veiculam pestes gravíssimas. Se o contato for inevitável, proteção para os ouvidos, sinal da cruz e dente de alho são armas poderosas: muitos são vampiros sanguessugas.

Todo Homo tem seu preço. O do Sapiens é intangível – amor, felicidade, paz. No Corruptus, é cédula sobre cédula. Não dão ponto sem nó: “Topa, não topa. Morre aqui”. Suborno e chantagem. Magris e obesos, anões e gigantes, calvos e cabeludos usam e abusam do público para uso privado. Infiltram-se no Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, empresas privadas, igrejas, esportes, ONGs e universidades. Após lotearem a administração federal e seus recursos, relaxam e gozam. E recomendam que o Sapiens faça o mesmo.

Discute-se a razão para a preferência nacional. Para uns, é herança portuguesa. Outros culpam um meio-armador fumante que gostava de levar vantagem em tudo. Há quem atribua a PC Farias o modelo atual de ação. O certo é que estes santos do pau oco alastraram-se, com jeitinho, na sociedade. Hoje são endêmicos e daqui só saem para uma operação no Uruguai ou tratamento psicológico na Suíça, quando se sentem perseguidos. Safam-se sempre. CPIs (Corruptus Politicus Impunis) foram extintas, por inoperância, em países como Dinamarca e Canadá, mas persistem no Irã e Venezuela, nações que disputam conosco o ouro na Olimpíada Mundial de Impunidade.

A dialética do engodo é altamente contagiosa. Homo Sapiens contaminados adquirem DVDs piratas, molham a mão do policial para livrar-se de multas, pagam uma cervejinha para o funcionário público agilizar trâmites burocráticos, permitem que os filhos fraudem nas provas da escola. Uma pequena malandragem aqui, um tráfico de influência por pistolão ali, uma sonegaçãozinha acolá... E salve-se quem puder.

Há situações em que a realidade não tem a menor graça. 
 
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3 comentários:

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) disse...

Paula,
Que paulada! Com perdão pelo trocadilho...
Outra classe tem-se associado à espécie: os bichos-artistas, malandrus que um dia "estiveram" do lado do povo e, hoje, são polvo do outro lado.
Passarei adiante.

Abraço destas Minas que um dia pariram um Tiradentes,
Pedro Ramúcio.

Melinda Bauer disse...

E há notícia de que atacam o fígado dos sapiens.Se proliferam rápido e estão gerando subespécies mutantes, os oportunistas chafurdantes.Vem causando moléstia grave no tecidus societae cujos sintomas descritos são o descrédito, a desesperança e o desalento.

muito boa tua crônica
abração

Talita Prates disse...

sou super fã da tua ironia tão estilosa, Maria Paula!

um bjo, com saudade,

Talita.