sexta-feira, 27 de maio de 2011

Conversa (a)fiada



“Nossas vozes secas, quando
Juntos balbuciamos
São fracas, carentes de sentido”
Os homens ocos - TS Eliot




Deve ser terrível o destino dos homens ocos: o que cada um tem dentro de si - memórias, formação cultural, relações humanas - preenche e dá sentido à existência. Por não sermos ocos, precisamos comunicar o que sentimos, o que nos agrada e incomoda. Diálogos nascem da diferença do pensamento de quem entra em contato com o pensamento do outro. Das palavras, surgem as relações: família, amigos, amores, negócios. Conversar cria laços afetivos reais, de entendimento e cumplicidade.

Sabendo disto, as instituições autoritárias sempre tentaram impedir o contato verbal. No regime nazista, separavam-se os prisioneiros de mesma língua com o duplo objetivo de tortura mental pelo isolamento e proteção do regime. A estratégia se repetiu nos porões das ditaduras sul-americanas e ainda ocorre em nações que isolam seus cidadãos do restante do mundo. A conversa é ameaçadora porque dela podem surgir projetos que subvertam a realidade que o outro deseja inalterada.

Problema maior é quando nos tornamos nossos próprios algozes, introjetando a proibição da troca de pensamentos e idéias. Num universo tecnológico de celulares e mensagens instantâneas, corre-se o risco de nos tornarmos incomunicáveis. O pavor do contato e da relação mais íntima é justificado, superficialmente, com o “inferno são os outros” de Sartre, sem nos dar conta, lá no fundo, que também é nossa a carteirinha de sócio benemérito das terras de Lúcifer. Fechamo-nos em um mundo particular irreal para nos queixarmos pouco depois do peso da solidão.

Não é que não falemos. Conversas fiadas desfiam na festa, no encontro casual, no trabalho, no mundo virtual... Acontece em casa quando atemos à narração dos fatos do dia, sem troca de percepções e emoções. Ocorre quando alguém tenta nos revelar algo de si e, sem perceber, distraímos da escuta para elaborar uma boa resposta para a fala do outro. Quem nunca foi interrompido por um “eu sei” prepotente, que inviabilizou descobertas? Quem nunca abreviou um raciocínio ao perceber um olhar impaciente fitando o correr do tempo?

Reverter o cruel destino dos homens ocos passa inevitavelmente pelo reaprendizado da boa fala. Primeiro com nossos botões, que o pensamento é o diálogo do espírito consigo próprio, para descobrir o que temos a dizer. Depois resgatando o verdadeiro valor de certas palavras que carregam em si a história da humanidade. E por fim, abrindo ouvidos e espírito à experiência única de penetrar na alma do outro.

Atribuir sentido às palavras - nossas e alheias - é agregar sentido à vida.

Nossa sanidade agradece.
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