terça-feira, 19 de outubro de 2010

Leminski: o poeta que uniu ocidente e oriente



“essa idéia
ninguém me tira:
matéria é mentira



               Samurai malandro, caipira cabotino, pensador selvagem, bandido que sabia latim, guerreiro da palavra, caboclo-monge-zen-black-beat. Tudo ao mesmo tempo. Este é o perfil múltiplo do escritor Paulo Leminski. Nascido em Curitiba em 24/08/44, filho de um sargento do exército descendente de poloneses e de uma dona de casa negra, Leminski viveu pela poesia e para a poesia. Só não conseguiu viver dela: além de poeta e romancista, foi tradutor ( inglês, espanhol e japonês), professor ( judô, redação e história), jornalista, publicitário, ensaísta e compositor da MPB. “Para ser poeta, é preciso ser mais que poeta”.

               Após uma vida meteórica e anárquica, vivida com a intensidade de um samurai zen-budista, faleceu aos 44 anos, em 07/06/1989, por complicações do alcoolismo. Era um boêmio assumido: “Pariso, novayorkizo, moscovito, sem sair do bar/. Só não levanto e vou embora/ porque tem países/ que eu nem chego a madagascar”.

               “Amor também acaba? Não que eu saiba. O que sei é que se transforma numa matéria-prima que a vida se encarrega de transformar em raiva. Ou em rima”. O poeta amou com uma intensidade que rivalizava com a urgência da produção que propôs para si: casou-se aos 17 anos com a artista plástica Neiva Souza. Sete anos mais tarde, separou-se para unir à poetisa Alice Ruiz, com quem teve duas filhas, num relacionamento conturbado de 20 anos de duração. De Alice : “em casamento de poetas, a poesia é o maior dos bens em comum.”

               “Acordei bemol, tudo estava sustenido. Sol fazia. Só não fazia sentido”. Foi no Mosteiro São Bento em São Paulo ( para onde foi aos 13 anos e de onde foi expulso 2 anos depois por indisciplina), que ele aprendeu canto gregoriano, sua única formação musical. Ao todo, são 50 composições solo ou em parceria de músicos como Moraes Moreira, Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes, Caetano Veloso e Paulinho Boca de Cantor.

               “O bicho alfabeto tem 23 patas ou quase. Por onde ele passa, nascem palavras ou frases”. Leminski surgiu para a literatura na década de 60. São 18 títulos entre livros de ensaios, romances, biografias e poemas, além de 8 volumes de tradução. Do concretismo, soube extrair a valorização e persuasão pela palavra. Da contracultura, o humor e questionamento às mistificações. Sobre ele escreveu o poeta Haroldo de Campos, em 1963: “... Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse Bashô...”. Bashô, poeta-samurai japonês, o Pai dos Haikais, inspirou Leminski, que estudou, praticou e ajudou a disseminar a forma poética no Brasil. Seu interesse pelo oriente não se limitou a haikais: faixa preta de judô, praticante da filosofia zen, também se aventurou nos koans ( anedotas-paradoxo japonesas), perpassados com fino humor. “Vai vir o dia, quando tudo que eu diga seja poesia”. Seus versos inteligentes e repletos de armadilhas verbais são líricos, sensuais e irônicos. Além dos poemas breves e haikais, há também prosa, infanto-juvenis, roteiros de cinema, ensaios. Há ainda quatro biografias reunidas no livro Vida: do poeta negro catarinense Cruz e Souza, Bashô, Jesus Cristo e do revolucionário Trotski.

               “Haja hoje para tanto ontem”. A obra do poeta de vanguarda curitibano continua despertando a atenção de escritores, estudiosos, diretores de teatro e cinema e tradutores. Millôr Fernandes disse certa vez em analogia à tecnologia de ponta, que há seres humanos de ponta. Na literatura brasileira do século XX Paulo Leminski certamente é um deles.


“Tudo dito, nada feito, fito e deito”.



* Dados biográficos extraídos de “O bandido que sabia latim”, de Toninho Martins Vaz – Editora Record, 2001, 380 páginas.

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