segunda-feira, 16 de abril de 2012

Chapeuzinho, quem diria...


Chapeuzinho era chamada de Chapinha Vermelha quando finalmente superou o traumático episódio da floresta. Graças aos avanços da tecnologia cosmética, seus cabelos, antes indomáveis e escondidos sob o capuz, balançavam soltos, lisos à base de vapor. Como toda garota boazinha que se preze, Chapinha adolesceu em graça, formosura e rebeldia.

O confronto com o lobo aproximou as famílias de vítima e salvador. A companhia preferida de Chapinha nessas ocasiões era Cássio, o filho mais velho do caçador. Cássio era excelente pessoa: bem educado, bom caráter, gentil. E estava se saindo muito bem na profissão de caçador de pipas. Boazinha Chapinha não era mais – com a história do lobo, havia aprendido a não pôr o chapéu onde a mão não alcança. Mas era boazuda o suficiente para Cássio cair de amores.

No pedido de casamento, o rapaz surpreendeu-a com um anel de família, herança do bisavô Fernão, aquele das esmeraldas. Os primeiros tempos de vida em comum foram encantados. O marido, um encanto que só vendo, não se descuidava nos mimos. É o chapéu que faz o homem, justificava-se, com franqueza encantadora. Os negócios da família prosperaram e ela tornou-se Hatty, presença constante no high society. Formavam um casal de se tirar o chapéu.

Com o tempo, no entanto, Hatty passou a sentir um vazio inexplicável. A vida era tediosamente feliz. Cássio era tão solícito e apaixonado, que dava vontade, como diria a finada vovozinha, de mandar tudo para a casa do chapéu.

Na estréia de um show patrocinado pelo marido, Hatty sentiu-se irresistivelmente atraída pelo guitarrista com cara de mau. Aquelas manoplas, aqueles olhos tão grandes, aquela voz rouca lhe evocavam lembranças... Procurou se informar: chamava-se Lobão e ninguém podia dizer que era lobo em pele de cordeiro. A dondoca deu um chapéu no marido e aproximou-se do bad wolf.

A vida voltava a ter sentido: por Lobão, Hatty perdeu o chapéu e a cabeça. Por causa dos dois, Cássio passou a usar chapéu de touro. O marido foi compreensivo: afinal, um dia é da caça e o outro é do caçador. Propôs esquecer tudo. Quem sabe uma viagem a Minas, para visitar o primo Milton, caçador de mim ou a Alagoas, terra do Fernando, o de marajás? Hatty fincou pé. Se Luma de Oliveira podia viver seu amor bandido, por que não ela?

Lobão era polêmico, envolvia-se com drogas, indispunha-se com as gravadoras, denunciava o jabá das emissoras de rádio e TV, sumia de casa por dias, tratava-a mal... As finanças do casal eram mais apertadas do que chapéu novo: para sobreviver, passavam o chapéu entre parentes e conhecidos. Mas quem tem medo do lobo mau? Chapéu ( Hatty foi-se com o high society ) não tinha. Viveram, aos trancos e barrancos, por quase seis anos.

Um dia a sorte sorriu para Lobão. Ele lançou um CD Acústico aclamado pelo público e virou VJ na MTV. O sucesso e a idade fazem milagres : o músico abrandou o gênio, abandonou as drogas, enquadrou-se ao sistema, ficou atencioso e simpático.

Chapéu agora é feliz... tediosamente feliz.Quase todas as noites, ela sonha com um caçador de emoções.
E sente um vazio inexplicável...

( Os bonzinhos e os politicamente corretos que me perdoem o final pouco edificante, mas bad boys só sobrevivem porque existem as Chapéus. )
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