quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cordel da mulher mineira


Duas mulheres - do pintor mineiro Inimá de Paula



Minas Gerais é plural, feminina
tem mulher furacão e desdobrável
tem vaca atolada, tem gente afável
Maria da Fé, Moema, Diamantina
Minas tem cara de bruxa aquilina
seu feitiço é fé, arte, tradição
mulher daqui não caça confusão
nem hasteia em qualquer pico bandeira
é chica, bárbara, beja a mineira
colosso pra ela é o mineirão
.
ser feia é desvio de rota em Minas
ai daquele que for besta e negar
e não é que Minas não tenha mar
o mar é que não dá conta das 'minas
pacatas, guerreiras, doces, salinas
mineira chora em chegada e partida
provocada, fica fula da vida
barroca, ela borda seu rococó:
não diz não pra não magoar, ô dó
não diz sim pra não ser oferecida
.
mineira exala doída saudade
na bateia ferve a verve em franqueza
boa de escuta, cama, banho e mesa
coração d'ouro, de ferro a vontade
discreta, só fala pelas metade
guarda dinheiro, segredo e plural
conjura sua ironia ancestral
na cama é devassa, mil pecadilhos
tem recatos, é mãe mesmo sem filhos
seus vales e montes, estrada real
.
com molejo farto atrai gulodice
no corpo, sustança; no olhar, merenda
beijo açucarado só de encomenda
pra mineirar, há que ter peraltice
em fogo brando coze a mineirice
suas receitas são rara poesia
ela espia : não desconfia nem fia
come olho de sogra, amor em pedaços
mineira carrega o mundo nos braços
tem fé na vida, que estranha mania
.
torce pro Cruzeiro, é fã do Atlético
é furna de graça, meiguice e humor
no barco do lar é vela e motor
sua dolência tem jeito poético
lógica em cascata, falar sintético
gema preciosa, ela sangra minério
mineira tem riso, siso e critério
pede com o olho, esconde a recusa
de truques brejeiros ela usa e abusa
não baixa a guarda, envolta em mistério
.
já revelo o que é que a mineira tem
tecer, altiva, sem pressa é um dom
em vez de "tudo bem?", diz "'cê tá bom?"
pra mineiro, liberdade é que é Bem
quae serae, uai, pra mineira tamen
ela transpira pecado e virtude
conhece a fonte eterna, a juventude
pra ela quem faz coisa errada apronta
muito é um tanto, sô, dimais da conta
.
enfim, ser mineira é questão de a(l)titude

2 comentários:

Rômulo disse...

Aí está uma belíssima síntese.
Morei em BH por 6 anos e senti o seu fiel retrato, Maria Paula. De perto. Bem de perto. Encontrei uma flor no meio do jardim e me tornei responsável por ela, obedecendo Saint-Exupéry. Mas a vida me fez voltar para SP e lá ficou um pedaço de mim ...
Mas, mineiramente falando, esse não foi o fim. Apenas o começo.
Um pão de queijo procê, pelo seu poetar sensível, de onde "exala doída saudade..."
Rômulo

Maria Paula Alvim disse...

Rômulo, o pai do Fernando Sabino dizia que no fim tudo dá certo. Se ainda não deu certo, é poque não chegou ao fim.

Lugar bom é aquele onde o coração da gente repousa em paz, né?

Abraço,
MPaula